Subespaços vetoriais
Uma pergunta natural que surge a partir de um dado conjunto que seja um espaço vetorial: um subconjunto de um espaço vetorial continua sendo um espaço vetorial? Pode ser que sim, pode ser que não, depende de como esse subconjunto é definido.
Subespaço vetorial: Seja V um espaço vetorial. Um subespaço de V é um subconjunto W, [math]\displaystyle{ W \subset V }[/math], que satisfaz as seguintes propriedades:
A segunda propriedade é chamada de "fechamento". Isto é, dois elementos do conjunto somados produzem um terceiro elemento que também pertence ao conjunto. A multiplicação por escalar também precisa ser "fechada", não pode produzir elementos que não pertençam ao conjunto.
Interpretação geométrica: Seja [math]\displaystyle{ \mathbb{R}^3 }[/math] o espaço tridimensional usualmente conhecido. Um subespaço vetorial deste pode ser um plano ou uma reta. Tanto a reta quanto o plano estão contidas no espaço tridimensional e um ponto qualquer da reta ou do plano possui três coordenadas. Por sua vez, uma reta pode ser um subespaço vetorial de um plano por exemplo. O mesmo conceito se estende para n dimensões, mas quando vamos além do espaço tridimensional não conseguimos mais a visualização gráfica.
Suponha que tenho um subespaço vetorial que é um plano. Um plano é feito de infinitos pontos. Escolho dois pontos daquele plano e tenho então um vetor. Agora eu escolho mais dois e defino outro vetor que seja diferente do anterior. Se eu realizar uma soma de vetores, o vetor gerado pertence ao plano porque as coordenadas de seus respectivos pontos fazem parte do conjunto de pontos daquele plano. Esta é a interpretação geométrica para as propriedades de um subespaço vetorial.
Suponha que W seja um subespaço de V. Sendo assim todos os oito axiomas de um espaço vetorial devem ser válidos. Reciprocamente, seja W um subconjunto de V que satisfaz os três axiomas de um subespaço. Por hipótese, existe o elemento neutro da adição e portanto, o conjunto é não vazio. Sendo a soma fechada no conjunto, ela é associativa e comutativa. Sendo a multiplicação fechada no conjunto, ela é associativa, distributiva e vale o elemento neutro da multiplicação.
Vamos agora provar quatro condições que validam os três axiomas de um subespaço:
- [math]\displaystyle{ 0u = 0 }[/math] Multiplicação de zero por vetor
[math]\displaystyle{ \begin{align*} u0 = & \text{ } u(0 + 0) & \text{ (distributiva)}\\ = & \text{ } 0u + 0u \\ u0 - u0 = & \text{ } (u0 + u0) - u0 & \text{ (elemento oposto)} \\ 0 = & \text{ } u0 + (u0 - u0) & \text{ (associativa)} \\ 0 = & \text{ } u0 + 0 & \text{ (elemento neutro)} \\ 0 = & \text{ } u0 \end{align*} }[/math]
- [math]\displaystyle{ c0 = 0 }[/math] Multiplicação de escalar por vetor nulo
[math]\displaystyle{ \begin{align*} c0 = & \text{ } c(0 + 0) & \text{ (distributiva)}\\ = & \text{ } c0 + c0 \\ c0 - c0 = & \text{ } (c0 + c0) - c0 & \text{ (elemento oposto)} \\ 0 = & \text{ } c0 + (c0 - c0) & \text{ (associativa)} \\ 0 = & \text{ } c0 + c0 & \text{ (elemento neutro)} \\ 0 = & \text{ } c0 \end{align*} }[/math]
- [math]\displaystyle{ (-1)u = -u }[/math]
[math]\displaystyle{ \begin{align*} (-1)u = & \text{ } 1(-1)u & \text{ (elemento neutro da multiplicação)} \\ = & \text{ } [(1)(-1)]u & \text{ (associativa)} \\ = & \text{ } -u \end{align*} }[/math]
- Se [math]\displaystyle{ cu = 0 }[/math], então [math]\displaystyle{ c = 0 }[/math] ou [math]\displaystyle{ u = 0 }[/math] Caso a afirmação fosse "e" no lugar de "ou" não haveria o que provar.
Suponha [math]\displaystyle{ c \neq 0 }[/math] (caso contrário cai no caso anterior). Então existe o inverso de c, [math]\displaystyle{ \large{\frac{1}{c}} }[/math] e
[math]\displaystyle{ \begin{align*} u = & \text{ } 1u & \text{ (elemento neutro da multiplicação)} \\ = & \text{ } \left( \frac{1}{c}c \right) u \\ = & \text{ } \frac{1}{c}(cu) & \text{ (associativa)} \\ = & \text{ } \frac{1}{c}0 & \text{ } (\text{pois } cu = 0) \\ = & \text{ } 0 \end{align*} }[/math]
Uma segunda pergunta natural: se subespaços são conjuntos, a interseção de dois conjuntos é um subespaço? E a união? Pode ser que sim, pode ser que não, depende de quais elementos dos subespaços são comuns aos subespaços em questão.
Teorema: a intersecção de dois subespaços vetoriais de um mesmo espaço [math]\displaystyle{ \mathbb{V} }[/math] é tambem um subespaço vetorial de [math]\displaystyle{ \mathbb{V} }[/math].
Sejam [math]\displaystyle{ \mathbb{W} }[/math] e [math]\displaystyle{ \mathbb{U} }[/math] esses dois subespaços
[math]\displaystyle{ 0 \in \mathbb{W} }[/math] e [math]\displaystyle{ 0 \in \mathbb{U} \Rightarrow 0 \in \mathbb{W} \cap \mathbb{U} }[/math]
[math]\displaystyle{ u, \; v \in \mathbb{W} \cap \mathbb{U} \Rightarrow u + v \in \mathbb{W} }[/math] e [math]\displaystyle{ u + v \in \mathbb{U} \Rightarrow u + v \in \mathbb{W} \cap \mathbb{U} }[/math]
Tomemos [math]\displaystyle{ \alpha \in \mathbb{R} }[/math] e [math]\displaystyle{ u \in \mathbb{W} \cap \mathbb{U} }[/math]. Como [math]\displaystyle{ u \in \mathbb{W} }[/math] e [math]\displaystyle{ u \in \mathbb{U} }[/math], então [math]\displaystyle{ \alpha u \in \mathbb{W} }[/math] e [math]\displaystyle{ \alpha u \in \mathbb{U} \Rightarrow \alpha u \in \mathbb{W} \cap \mathbb{U} }[/math]
Observe que a demonstração não precisa recorrer às combinações lineares, o raciocínio lógico recai sobre um vetor pertencer ou não a um conjunto.
Interpretação geométrica: tome dois planos em [math]\displaystyle{ \mathbb{R}^3 }[/math] que passam pela origem. Se eles são paralelos, então eles são coincidentes e a intersecção é todo o subespaço vetorial do plano. Se eles não são paralelos, a intersecção é uma reta. Dois vetores que pertençam à reta são paralelos à mesma e portanto, a soma gera um vetor que é naturalmente paralelo à essa mesma reta. A única forma da soma não ser um vetor paralelo à reta seria se pelo menos um dos vetores não fosse paralelo, mas isso só aconteceria se existissem duas retas não paralelas representando a intersecção dos planos, o que é um absurdo. Caso os planos fossem paralelos e não coincidentes, então um ou ambos não passariam pela origem e portanto, um ou ambos não seriam subespaços vetoriais.
A união de dois conjuntos A e B é um conjunto tal, que ele contem todos os elementos de A e de B. Em simbologia matemática: [math]\displaystyle{ \text{A} \cup \text{B} = \{x \; | \; x \in \text{A} \; \text{ou} \; x \in \text{B} \} }[/math].
Caso um subespaço esteja contido no outro e vice-versa. Ou seja, são iguais. Então a união é um subespaço. Por ex: dois planos que passam pela origem e são coincidentes.
Caso os subespaços não sejam iguais, então a união não é um subespaço. Por ex: os eixos cartsianos x e y são dois subespaços, mas na união formamos um conjunto onde podemos somar dois elementos e ter como resultado um elemento que não pertence nem a um nem a outro. Na soma [math]\displaystyle{ (0,1) + (1,0) = (1,1) }[/math], temos que [math]\displaystyle{ (0,1) \in y }[/math] e [math]\displaystyle{ (1,0) \in x }[/math], mas [math]\displaystyle{ (1,1) }[/math] não pertence a nem a x nem a y. A soma não é fechada.
Soma de subespaços: é somar um elemento de um subespaço com outro elemento do outro subespaço, gerando então um subespaço que é a intersecção de ambos. Cuidado para não confundir com a união de conjuntos!
Sejam [math]\displaystyle{ \text{U} }[/math] e [math]\displaystyle{ \text{W} }[/math] dois subespaços de um espaço [math]\displaystyle{ \text{V} }[/math]
[math]\displaystyle{ \text{U} + \text{W} = \{u + v \; | \; u \in \text{U} \; \text{w} \; v \in \text{W} \} }[/math]
[math]\displaystyle{ 0 \in \text{W} }[/math] e [math]\displaystyle{ 0 \in \text{U} }[/math]. Como [math]\displaystyle{ 0 = 0 + 0 }[/math], então [math]\displaystyle{ 0 \in \text{U} + \text{W} }[/math]
Sejam [math]\displaystyle{ w_1 = u_1 + v_1 }[/math] e [math]\displaystyle{ w_2 = u_2 + v_2 }[/math] elementos de [math]\displaystyle{ \text{U} + \text{W} }[/math], onde estamos supondo [math]\displaystyle{ u_1,u_2 \in \text{U} }[/math] e [math]\displaystyle{ v_1,v_2 \in \text{W} }[/math]. Então:
[math]\displaystyle{ w_1 + w_2 = (u_1 + v_1) + (u_2 + v_2) = (u_1 + u_2) + (v_1 + v_2) }[/math] Em outras palavras: somar dois elementos, um de cada subespaço, é o mesmo que somar dois elementos de um subespaço e dois do outro subespaço.
Como [math]\displaystyle{ u_1 + u_2 }[/math] e [math]\displaystyle{ v_1 + v_2 }[/math] pertencem a [math]\displaystyle{ \text{U} }[/math] e [math]\displaystyle{ \text{W} }[/math], respectivamente, então [math]\displaystyle{ w_1 + w_2 \in \text{U} + \text{W} }[/math].
[math]\displaystyle{ \alpha \in \mathbb{R} }[/math], [math]\displaystyle{ u_1 \in \text{U} }[/math] e [math]\displaystyle{ v_1 \in \text{W} }[/math]. Temos que [math]\displaystyle{ \alpha (u_1 + v_1) = \alpha u_1 + \alpha v_1 }[/math], com [math]\displaystyle{ \alpha u_1 \in \text{U} }[/math] e [math]\displaystyle{ \alpha v_1 \in \text{W} }[/math]. Então [math]\displaystyle{ \alpha (u_1 + v_1) \in \text{U} + \text{W} }[/math].
Interpretação geométrica: se eu tenho dois planos em [math]\displaystyle{ \mathbb{R}^3 }[/math] que passam pela origem e não são paralelos, a intersecção é uma reta que tambem passa pela origem. Todos os vetores paralelos à esta reta são uma combinação linear de um vetor paralelo a um plano e outro vetor paralelo ao outro plano.
Soma direta: quando dois subespaços [math]\displaystyle{ \text{U} }[/math] e [math]\displaystyle{ \text{V} }[/math] de um espaço [math]\displaystyle{ \text{W} }[/math] são somados e eles são tais que [math]\displaystyle{ \text{U} \cap \text{V} = \{0\} }[/math], temos uma soma direta denotada por [math]\displaystyle{ \text{U} \oplus \text{V} }[/math]. Em outras palavras, se a intersecção é o vetor nulo, isso significa que os vetores de um subespaço não são combinações lineares dos vetores do outro subespaço. Isto é, um subespaço não esta contido no outro.
Espaço suplementar: numa soma direta [math]\displaystyle{ \text{U} \oplus \text{V} = \text{W} }[/math], onde [math]\displaystyle{ \text{U} }[/math] e [math]\displaystyle{ \text{V} }[/math] são subespaços do espaço [math]\displaystyle{ \text{W} }[/math], [math]\displaystyle{ \text{U} }[/math] e [math]\displaystyle{ \text{V} }[/math] são suplementares um do outro.
Teorema: Sejam [math]\displaystyle{ \text{U} }[/math] e [math]\displaystyle{ \text{V} }[/math] sub-espaços vetoriais de um espaço vetorial [math]\displaystyle{ \text{W} }[/math]. Então [math]\displaystyle{ \text{W} = \text{U} \oplus \text{V} }[/math] se, e somente se, cada vetor [math]\displaystyle{ w \in \text{W} }[/math] admite uma única decomposição [math]\displaystyle{ w = u + v }[/math], com [math]\displaystyle{ u \in \text{U} }[/math] e [math]\displaystyle{ v \in \text{V} }[/math].
Por hipótese, [math]\displaystyle{ w = u + v }[/math] com [math]\displaystyle{ u \in \text{U} }[/math] e [math]\displaystyle{ v \in \text{V} }[/math]. Ou seja, [math]\displaystyle{ \text{W} = \text{U} + \text{V} }[/math]. Para provar que a soma é direta, devemos mostrar que [math]\displaystyle{ u }[/math] e [math]\displaystyle{ v }[/math] são únicos. Suponha que existam elementos [math]\displaystyle{ u' \in \text{U} }[/math] e [math]\displaystyle{ v' \in \text{U} }[/math] tal que [math]\displaystyle{ w = u' + v' }[/math]. Daí
[math]\displaystyle{ \begin{align*} u + v = u' + v' & \iff u - u' = v - v' \end{align*} }[/math]
Mas [math]\displaystyle{ u - u' \in \text{U} }[/math] (pois ambos são elementos de [math]\displaystyle{ \text{U} }[/math]) e [math]\displaystyle{ v - v' \in \text{V} }[/math]. Como a hipótese é a de que os elementos são únicos, temos [math]\displaystyle{ u - u' = 0 }[/math] e [math]\displaystyle{ v - v' = 0 }[/math], donde [math]\displaystyle{ u = u' }[/math] e [math]\displaystyle{ v = v' }[/math], o que prova a unicidade.
Exemplo de soma direta
O espaço [math]\displaystyle{ \mathbb{R}^3 }[/math] é soma direta de
[math]\displaystyle{ \text{U} = \{(x,0,0) \; | \; x \in \mathbb{R}\} }[/math]
[math]\displaystyle{ \text{V} = \{(0,y,0) \; | \; y \in \mathbb{R}\} }[/math]
[math]\displaystyle{ \text{W} = \{(0,0,z) \; | \; z \in \mathbb{R}\} }[/math]
É imediato que [math]\displaystyle{ (0,0,0) \in \text{U} \cap \text{V} \cap \text{W} }[/math];
Por outro lado [math]\displaystyle{ \forall (x,y,z) \in \mathbb{R}^3, \; (x,y,z) = (x,0,0) + (0,y,0) + (0,0,z) \in \text{U} \oplus \text{V} \oplus \text{W} }[/math].