Desafios bem feitos
Prey 2006
Este jogo não é um bom exemplo de desafios, mas há algumas ideias criativas. Um conceito muito simples é juntar partes menores para montar um quebra cabeça maior. Este jogo tenta fazer isso, mas não com muito sucesso porque a maioria dos desafios simplesmente não tem explicação do que é para fazer ou é muito trivial. Em alguns lugares o jogo é inclusive ilógico. Coloca o botão para ativar um elevador dentro de uma sala protegida por um campo de força. Se a sala é fechada e somente um espírito atravessa um campo de força, como os próprios aliens colocaram o botão do lado de dentro da sala? Faltou bom senso.
- Trilhos anti-gravidade. Podem ser móveis para transportar o jogador. O painel que ativa o trilho nem sempre esta acessível diretamente;
- Campos de força. A habilidade de projetar o espírito resolve, pois o botão para desligar esta sempre do outro lado do campo de força;
- Portais dimensionais. Permitem um nível design que seria impossível no mundo real, como um espaço grande ser colocado "dentro" de outro menor. Eles também podem ser móveis, o que permite a ilusão de que o espaço esta se deslocando;
- Os portais dimensionais podem ter o outro lado com a gravidade girada, o que permite virar a gravidade em alguns lugares sem a necessidade de atirar num alvo específico. Isso também permite portais que só permitem a ida, a volta fica impossível;
- Inversores de gravidade. Permitem colocar caminhos que seriam inalcançáveis, como por exemplo andar tanto numa ponte por cima quanto por baixo;
- Projeção espiritual. Permite ver pontes ou caminhos que só existem para um espírito. Estão sempre indicados os lugares pelos níveis com uma marcação no chão ou nas paredes.
Jedi Knight 2: Jedi Outcast
Na primeira vez que o jogador usa os poderes Jedi o jogo apresenta um nível de treino. Cada habilidade é apresentada num contexto simples e depois aparece um obstáculo mais complicado. É o caminho natural e intuitivo. Antes mesmo de chegar ao objetivo final o jogador passa por áreas de demonstração em que personagens mostram os poderes sendo usados. O próprio contexto da demonstração é uma área de treino de aprendizes, o que mostra que a direção do jogo se preocupou com contextualizar.
Os poderes começam no nível 1 e ao longo do jogo vão evoluindo até o nível 3. Os poderes e desafios são bem contextualizados, sempre fazem parte do ambiente e da história. Assim a primeira fase não tem nenhum obstáculo que dependa de poderes. Nas seguintes o jogo passa a apresentar lugares progressivamente mais altos conforme o jogador ganha o poder do pulo mais alto nível 1 até o 3. O jogo também deixa claro onde o jogador pode usar os poderes de puxar e empurrar dando um brilho azul à mira.
Os desafios também são variados. Por ex: a velocidade pode ser usada tanto para atravessar um porta que fecha muito rápido depois de abrir num botão que fica longe da porta, quanto também serve para atravessar uma área onde raios de energia regularmente passam. Numa fase o jogador não deve atirar e matar os inimigos, pois há o risco de disparar o alarme e ser preso. É um contexto que justifica muito bem o uso do poder da hipnose. Além de quebrar com a repetição dos combates.
Esta sala é um desafio que é revisitada várias vezes na mesma missão. A cada vez o jogador encontra uma disposição diferente, com diferentes blocos subindo e outros descendo. Algumas armas automáticas escondidas nas paredes são reveladas. Alguns items ficam acessíveis a cada vez.
A Id Tech 3 é bem antiga já mas não foi isso que impediu os designers e desenvolvedores deste jogo de criar uma sala de desafio bem legal. As ideias são bastante simples e produzem ótimos resultados. Os desenvolvedores não tinham acesso a hardware moderno com iluminação em tempo real, geometria dinâmica e destruição em tempo real. Ou mesmo interações complexas entre o jogador e o ambiente. Mesmo assim o resultado é muito bom.
Até num jogo 2D posso imaginar este mesmo conceito de reutilizar a mesma sala e elementos para produzir diferentes desafios apenas reordenando as peças. Acho que um exemplo extremo disso é o Path of Exile, porque ele depende tão fortemente da aleatoriedade que algumas poucas peças são capazes de gerar trilhões de combinações.
Alan Wake
Num dos primeiros desafios do jogo o jogador esta fugindo de um tornado sobrenatural. Há uma ponte de madeira e alguns barris marcam pontos onde caem objetos que derrubam parte da ponte. Sem essa marcação o jogador precisaria adivinhar onde a ponte vai cair e seria pego de surpresa. Se o desafio fosse aleatório e imprevisível, mudando a cada tentativa, o jogador ficaria frustrado pois ao invés de ser recompensado com o sucesso e progressão no jogo, dependeria da pura sorte para progredir no jogo. Todo tipo de desafio num jogo precisa ter uma estratégia vencedora, caso contrário o jogador não sente evolução e fica num ciclo de tentativa e erro sem fim.
Um outro obstáculo que aparece é um portão dominado pela força sobrenatural das sombras. Alan não tem uma lanterna, mas há um farol colocado ali exatamente para isto. O problema é que o farol precisa de um gerador de energia para funcionar. Ativando o gerador o farol acende, mas dura poucos segundos e já desliga. O cabo que liga o gerador ao farol esta com vazamentos que explicam a falha. O desafio é intuitivo, pois o tempo que o gerador permanece ligado é mais ou menos o tempo que o jogador demora para correr até o farol, um pouco a mais por segurança. O jogador só precisa prestar atenção ao tempo que o gerador permanece ligado e à distância entre o farol e o gerador para conseguir direcionar a luz para o portão. O tempo que o gerador permanece ligado é suficiente para atacar as sombras no portão.
Em Alan Wake há vários geradores e faróis colocados pelo cenário em locais em que foi planejado um combate. Ou Alan esta numa parte da história sem uma lanterna nas mãos ou há muitos inimigos e aquela fonte de luz foi colocada ali exatamente para ajudar o jogador.
Quando Alan Wake esta fugindo das sombras que invadiram a clínica psiquiátrica o jogador não tem lanterna e nem arma. A porta de saída esta fechada e não há como abri-la. As sombras atacam o jogador com uma bola decorativa. Neste ponto o jogador nota que a bola pode destruir a porta, liberando a passagem. O jogo simplesmente mostra uma porta sendo arrombada pela bola decorativa.
F.E.A.R. 2: Project Origin
Nesta parte da cidade destruída o jogador encontra uma passagem bloqueada por cabos elétricos e uma poça de água. É natural o jogador não passar porque a eletricidade é visivelmente um obstáculo. Seguindo os fios o jogador vê a origem da eletricidade, um transformador de um poste. O obstáculo é intuitivo pois o jogador entende que destruindo o transformador desliga-se a energia.
Além disso o obstáculo é contextualizado com a destruição do lugar e serve também como tutorial. Mais à frente existem inimigos difíceis que são afetados pela eletricidade. Eles estão colocados ao lado de transformadores e o jogador entende que atirar e explodir um transformador é a estratégia vencedora. O jogador não precisa fazer isso, mas aí o combate fica muito mais difícil.
Dark Forces
Este quebra cabeças pode ser complicado dependendo de quão fácil ou difícil é para o jogador fazer a associação entre o mapa e a estrutura. O objetivo esta dentro de uma estrutura que é um espécie de cofre hexagonal com 3 camadas. As linhas verdes representam as paredes. Os quadrados azuis representam os botões e os vermelhos as portas. Cada botão tem três luzes vermelhas e quatro barras verdes. O jogador precisa entender que as barras verdes são as paredes e as luzes vermelhas portas que estão fechadas. Se o jogador conseguir ver o caminho para o interior do cofre, de fora para dentro e entender a lógica do abre e fecha de portas, consegue resolver o desafio.
A codificação por cores deve ser fácil de entender. Porém, para alguns tipos de jogadores a associação pode não ser óbvia e isso provavelmente esta relacionado como a forma que os jogadores fazem essas associações e qual aspecto chama mais a atenção. O que é óbvio para um jogador pode não ser para outro.
Eu acho que quase toda criança pelo menos uma vez viu o problema de ligar os pontos para desenhar uma figura. Ou jogou "conecte os canos" uma vez. Este quebra-cabeças é isso. É bastante simples e não deve ser difícil para a maioria dos jogadores. Às vezes um quebra-cabeça simples pode ser mais vantajoso do que um complicado e aqui temos um exemplo disto.
Nota: em Bioshock o quebra-cabeças de "ligar os canos" é muito frequente e isso é um problema para alguns jogadores. Isso serve para mostrar que usar um mesmo quebra-cabeças repetidas vezes cansa.
Duke Nukem Forever
Este nível é bastante criativo e tem boas mecânicas. O jogador é encolhido e precisa superar diversos obstáculos de uma perspectiva diferente. A mesma ideia já foi usada em Duke 3D. O nível não é muito interativo, exceto por obstáculos como a água eletrificada e espátulas que servem de trampolim.
Jedi Academy
Esta missão acontece num planeta com chuva ácida. No Jedi Academy o jogador pode escolher o poder de proteção da força ou não, um poder que protege contra a chuva ácida. Se o jogador não tem esse poder porque gastou pontos com outros ele poderia ter mais dificuldades nesta missão, mas o design de níveis colocou coberturas já prevendo jogadores que não tivessem o poder da proteção. Qualquer que seja a escolha de poderes e armas do jogador, a missão sempre pode ser finalizada.
Bioshock
No penúltimo nível do jogo o jogador tem a tarefa de proteger uma das little sisters (irmãzinha em tradução livre) de ataques inimigos. Uma missão bem comum em vários outros jogos, escoltar um NPC ou defender uma estrutura de ataques inimigos. Neste nível há alguns corpos e a irmãzinha pausa em cada um para drená-los. Nestes pontos chave os designers tomaram a decisão consciente de colocar câmeras de segurança e estações de recuperação de vida. O jogador pode hackear ou destruir a câmera e a estação. É escolha do jogador. Quando a irmãzinha para no corpo uma onda de inimigos ataca e hackear as câmeras e estações oferece uma vantagem tática.
Outra decisão consciente feita é que os corpos nunca estão localizados num canto ou beco sem saída. Isso garante que o jogador precise defender duas direções diferentes, esquerda e direita, para proteger a irmãzinha. Se não fosse assim ficaria muito fácil com todos os inimigos se afunilando por uma única direção.
Nos níveis anteriores o jogador certamente se deparou com muitas instâncias onde ele tinha que decidir entre hackear ou destruir uma câmera. Este é um recurso de design bem legal que explora a criatividade, dando ao jogador a habilidade de adaptar o jogo ao seu próprio estilo ou gosto. Mark Rosewater fala sobre dar aos jogadores a liberdade de escolha em Magic. Temos aqui um exemplo de design de níveis que dá ao jogador várias escolhas.
Agora quanto ao ritmo e inserção deste nível como o penúltimo do jogo. Com as mecânicas que este nível tem ele não poderia ter sido colocado no começo do jogo porque o jogador ainda não explorou as mecânicas disponíveis. O fato do jogador se vestir de um Big Daddy (Paizão em tradução livre), um dos inimigos do jogo e que teve que enfrentar em todos os níveis anteriores, tornam este nível uma espécie de prêmio e uma mudança de perspectiva. Veja o exemplo do Jedi Outcast. Perto do fim do jogo o jogador é premiado com um AT-ST. É o tipo de nível que faz sentido ser colocado depois de tudo que o jogador já passou desde o começo do jogo.
Control
Control tem um espaço extradimensional chamado Oceanview Motel. É um lugar onde a maior parte dos quebra-cabeças do jogo acontece. O primeiro desafio é entender como entrar nele. Há uma placa dizendo que há uma regra de 3. Quando o jogador puxa a corda um som pode ser ouvido e uma luz laranja acende. Puxando a corda de novo muda a luz e toca o mesmo som de novo. Deve ser fácil para a maioria dos jogadores entrar no Motel porque se eles ficarem onde a placa diz para ficar e puxar a corda de novo e de novo, conseguem entrar mesmo que seja por tentativa e erro.
Quando o jogador toca o sino ninguém aparece, mas ele deve notar que uma porta de um quarto do motel se abriu. Um dos quebra-cabeças lida com simetria e quando um jogador entra ele pode puxar e empurrar alguns objetos para mudá-los de posição. Se o jogador prestou atenção ao enredo, há uma informação que pesquisas foram feitas a respeito de fenômenos estranhos relacionados à simetria e sincronia. A chave para entender este quebra-cabeça é perceber que a simetria entre as diferentes salas do motel é a solução. O Motel é um ótimo exemplo de criatividade.
Outro ponto ótimo do Oceanview Motel é que, não apenas ele é parte do enredo, como também é reutilizado muitas vezes. Eu não sei dizer se isso está relacionado com economia de recursos, mas o mesmo lugar ser revisitado e a cada vez diferentes quebra-cabeças são apresentados. Muitas vezes você consegue resultados bem legais apenas mudando as peças de lugar sem precisar criar novas peças.