Se você pode fazê-lo sem aquilo, então faça-o
Mark ensina que fazer design de um jogo é um jogo de gerenciamento de recursos. Você dispõe de recursos limitados e precisa aproveitá-los da melhor forma para criar o melhor produto possível. Magic já é um jogo complexo e se eles criarem um set demasiadamente complicado, provavelmente os jogadores se afastarão. Eles notam isso na prática em eventos de pré-lançamento porque os jogadores tendem a evitar as cartas com muito texto. Ao mesmo tempo eles percebem que os jogadores gostam de cartas diretas e mais com visual mais limpo. Os jogadores desejam cartas que façam o que eles querem de maneira excitante.
Em termos de design isto significa que eles precisam remover coisas o tempo todo. Eles precisam capturar a essência e transmití-la com o mínimo possível de recursos. O que pode significar um limite de palavras porque o espaço para o texto é limitado. Porém há outros recursos como o tempo, artistas, trabalho e por aí vai. Eles precisam escolher cuidadosamente o que entra e o que pode ser retirado sem destruir a essência que estão tentando capturar. Esta é uma habilidade muito valiosa que todo designer deveria ter.
Mark posta uma foto da sua mesa e a mesa é bem entulhada. Ele conta que é atraído pelos entulhos porque na mente dele as pequenas peças podem ser necessárias algum dia e ele se arrependeria de jogá-las fora. Esta lição é sobre guardar coisas demais ao mesmo tempo e isto traz mais problemas do que descartar as partes desnecessárias.
Os exemplos mais simples vêm da vida cotidiana. Quantas coisas temos nas nossas vidas que não precisamos e poderiam ser descartadas? Provavelmente muitos exemplos incluem carros, roupas, acessórios, lugares, comida, etc. Eu acho que é bem difícil julgar o que é descartável porque frequentemente o que julgamos ser essencial é algo que está ligado às nossas emoções. Nos apegamos a muitas coisas como pessoas, lugares e deixá-las para trás não é uma tarefa fácil. Eu acho que a lição de Mark guarda um significado oculto. Frequentemente não sabemos quanto valor damos a algo e só descobrimos quando estão sob restrições que nos forçam a escolher o que damos mais valor para descartar o resto.
Um exemplo fácil são dietas. A primeira razão para uma dieta é porque queremos perder peso. As pessoas precisam cortar calorias e isto é difícil porque as pessoas não podem simplesmente parar de comer. Elas podem e devem comer, mas no caso de uma dieta é preciso escolher o que comer e controlar quantas calorias são ingeridas. É difícil de fazer porque as emoções pesam muito no que, quando e como comemos. Há diversos outros exemplos como por exemplo quantos aplicativos temos instalados nos nossos smartfones, coisas que compramos mas nunca usamos, tempo que gastamos com algo que poderia ter sido melhor gasto fazendo algo diferente. Precisamos nos gerenciar, nosso tempo e nosso dinheiro. Todos temos recursos limitados e o maior de todos é o tempo. Mark, na sua posição, precisa ser bem consciente com o tempo e vejo isso nas mídias sociais dele. Há tanto trabalho que é demandando num set que pouquíssimas pessoas seriam realmente aptas a fazer o Magic. Uma das lições mais famosas que Mark repetiu ao longo dos anos é que "as restrições alimentam a criatividade".
Dizem que as pessoas inteligentes tendem a ter menos amigos. Vamos pensar na lição de Mark por um minuto. É impossível ser amigo de todo mundo. Não podemos estar lá para todos e em todos os momentos. Da mesma forma que Mark precisa estar muito atento ao tempo e gerenciar os seus recursos para fazer o jogo, temos que escolher bem as pessoas que fazem um impacto positivo nas nossas vidas e descartar aquelas que não são importantes. Pode soar duro, mas o mundo não é o lugar mais seguro de todos. Na verdade, é perigoso e se alguém é cego é facilmente enganado. Algumas pessoas são confiáveis enquanto outras simplesmente não são. Avaliar quanta importância damos a algumas pessoas é muito mais difícil do que avaliar quanto valor damos a objetos inanimados.
Alongando esta discussão um pouco eu poderia pensar em alguns transtornos mentais como a acumulação ou o transtorno de personalidade dependente. Ambos se relacionam com apego a coisas ou pessoas de um modo exagerado e danoso. Em casos extremos temos os vícios. Não vou adentrar nestes temas porque está fora do alcance desta página. Para me manter próximo da lição de Mark vamos pensar na vida cotidiana. Podemos trocar um carro por transporte público ou até andar a pé para ir e voltar do trabalho? Às vezes sim, depende não apenas da nossa vontade mas também da política. Podemos parar de beber muita coca-cola, café e bebidas energéticas? Provavelmente sim. Podemos desligar a TV, smartfones, computadores e viver sem eles? É factível, mas para uma pessoa como o Mark ficaria impossível de trabalhar sem eles.
É bastante fácil de relacionar com design de níveis. Pegue texturas e arte de ambientes por exemplo. Em outras páginas aqui eu mencionei que um dos aspectos mais importantes do design de níveis é a legibilidade. Muita coisa é muita coisa. Muitas cores, objetos demais, caminhos demais, coisas demais brigando pela sua atenção na tela. Os computadores têm recursos limitados também. Não podemos fazer o que queremos sempre. Nossa visão precisa se encaixar no que é possível num hardware alvo. Eu nunca trabalhei num título comercial, mas eu imaginaria que se um nível tem um conjunto de objetivos. O trabalho do designer de níveis é contido dentro de certas restrições. Quanto tempo o nível leva para ser completado. Quantos inimigos. Quantos obstáculos. Quanta habilidade é pedida dos jogadores. Aqui eu tenho que concordar com o Mark. Assim que entendemos o núcleo do que queremos trabalhar com, fica nítido o que pode ser excluído.
Como um último comentário eu diria que um designer ou desenvolvedor pode muito bem ser apegado às suas criações e, se é um nível por exemplo, certamente pode ser difícil vê-lo ser cortado de um jogo que estejamos trabalhando. Ter que abandonar algo se conecta com ser melhor em gerenciar recursos, porque quando focamos nas coisas mais importantes, nos tornamos mais eficientes. Infelizmente eu não tenho uma resposta sobre como, quando e o quê abandonar. É bem pessoal encontrar uma resposta para estas questões. Todos fazemos escolhas todos os dias. Algumas vezes não podemos arcar com este produto e devemos escolher um outro. Podemos ter que mudar e deixar algo para trás. Estes são os momentos em que temos que nos questionar quanto valor damos a algo.