Você precisa querer questionar as suas convicções

From Henry's personal library

O filho de Mark, Adam, foi diagnosticado com TDHA (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade) no jardim de infância. Mark e sua esposa eram relutantes em aceitar medicações por causa do medo de que a medicação pudesse causar efeitos adversos. Eles tentaram todo tipo de tratamento não medicamentoso. Alguns surtiram efeito, mas a recusa em usar medicação estava limitando o efeito do tratamento. Um dia Mark teve a oportunidade de falar com algumas pessoas sobre o medo que ele tinha das medicações. A partir daquele dia ele e sua esposa decidiram aceitar as medicações. A melhoria na condição de Adam foi notável a partir dali.

O Mark diz que nos sentimos muito mais confortáveis com respostas certas ou erradas. O pensamento branco e preto é muito mais confortável do que o cinza, o que fica no meio. No caso do TDAH de Adam eles tinham conhecimento limitado e isto estava deixando a vida de todos, incluindo a de Adam, mais difícil. O exemplo do Magic que ele dá é sobre as criaturas lendárias. A regra original do Magic dizia que uma e apenas uma criatura lendária poderia existir no campo de batalha, independentemente de quem controlava aquela carta. Era por isso que eles evitavam criar muitas criaturas lendárias porque os jogadores evitavam esse tipo de carta. Durante o set Campeões de Kamigawa eles decidiram mudar a regra para favorecer os jogadores, porque estes pareciam gostar das criaturas lendárias. Não parece contraditório que os jogadores queriam algo, mas ao mesmo tempo evitavam aquela mesma coisa? O outro exemplo que ele dá é sobre magias pretas não poderem destruir criaturas pretas. No começo era assim e ninguém nunca quis mudar isso.

A lição é sobre questionar as suas próprias crenças. Algumas decisões são tomadas dentro de um certo contexto e o contexto pode mudar com o tempo. O jogo pode mudar e seguir novos rumos e, portanto, algumas decisões tomadas no passado podem não fazer mais sentido no futuro.


A lição é fortemente relacionada com saúde mental. O que eu li sobre transtornos de personalidade é que todos compartilham um mesmo problema fundamental de crenças. Não há uma resposta fácil para explicar por que uma pessoa é teimosa e o próprio Mark se declara teimoso. Se você ler sobre a depressão, fobias, ansiedade, compulsões e obsessões. Muito destes transtornos estão relacionados com crenças. As pessoas podem acreditar que estão num patamar acima dos outros como no narcisismo patológico. Ou o completo oposto, acreditar que são a pior pessoa do mundo, que é o caso da depressão. Questionar nossas crenças e repensar nossa visão sobre o mundo e si mesmo é algo que demanda muito esforço, energia e pode até nos fazer chegar num ponto de ruptura. Um ponto de quase enlouquecimento. É exatamente por isso que tratar transtornos de personalidade, depressão, ansiedade e outras condições mentais é difícil. Às vezes temos crenças que nem ao menos reconhecemos, mas estão lá escondidas no subconsciente. Por que amamos isto e odiamos aquilo? Às vezes não sabemos a resposta ou a resposta que temos é errada.

Tudo que li sobre saúde mental me diz que nem mesmo médicos e doutores com muitos anos de experiência estão livres de falsas premissas ou crenças equivocadas. Eu já li algumas histórias de pessoas que estavam à beira da morte e se recusaram a aceitar que era o fim. Não, elas decidiram enfrentar e desafiar crenças comuns. Não estou discutindo fé ou religião, mas o fato de que frequentemente temos crenças que nos fazem acreditar que não existe saída, ou que a solução custa caro demais ou é muito difícil. Porém, não nosso conhecimento sobre aquilo é errado ou incompleto. Pense como os vieses afetam nossas vidas em praticamente todas as áreas. O racismo por exemplo é um caso de viés extremo. O Mark conta como a crença dele de que medicação poderia causar mais malefícios do que benefícios no tratamento do TDAH é outro exemplo de viés afetando negativamente a vida.

Outro exemplo são psicopatas. A maioria das pesquisas sobre psicopatas conclui que esta condição é intratável e não há esperança. Apesar disto, é exatamente por isso que muitos pesquisadores perguntam "Por quê? Não podemos encontrar algo que funcione?". Se você ler um pouco sobre doenças em geral uma informação valiosa é que é muito mais fácil prevenir do que remediar. Frequentemente temos que mudar o que questionamos para encontrar uma resposta que procuramos. Voltando no exemplo dos psicopatas. Uma outra forma de olhar para eles é perguntar "Não podemos mudar a mente de um psicopata, mas podemos mudar as regras? As leis? A sociedade? O ambiente? Podemos mudar a nossa forma de reagir a um psicopata?".

Às vezes é algo profundamente enraizado em tradições, assim como acontece em qualquer cultura. Podemos questionar qualquer tradição? Sim, mas isto não significa que devemos questionar qualquer uma apenas porque podemos. A lição de Mark não é sobre ser um rebelde. Apesar de que o próprio Mark admite que ele é bem rebelde no que tange a ver as coisas de uma perspectiva diferente. Eu estou bastante certo de que franquias que duraram muitas décadas de títulos como Need for Speed, Assassin's Creed, Final Fantasy e por aí vai têm as suas tradições. Também tenho convicção que como são séries que duraram tanto tempo e com muitos desenvolvedores trabalhando nelas ao longo dos anos, pelo menos algumas pessoas envolvidas desafiaram as tradições e mais de uma vez. Como não tenho experiência prática eu não posso oferecer nenhuma resposta a respeito de se desafiar uma tradição é algo com consequências positivas ou negativas no futuro.

Para dar alguns poucos exemplos: Final Fantasy tem alguns monstros, magias e nomes de personagens que sempre aparecem em cada título da série; Star Wars sempre tem sabres de luz, luz vs escuridão, poderes da força e tecnologia muitos avançada; Tomb Raider sempre tem armadilhas, pulos altos, correr, acrobacias, etc; Se quebrarmos a marca característica de um jogo corremos o risco de perder a identidade do mesmo, mas certamente é possível de ser feito. O próprio Mark deu o exemplo de questionar algumas regras e ter a ousadia de mudá-las. No que diz respeito à design de níveis ou design de jogos em geral eu certamente posso a quebra de paradigmas ou regras com a saída da zona de conforto. Agora ao mesmo tempo precisamos ter cuidado para não ir muito longe e causar mais danos do que benefícios.

Uma pergunta que pode surgir é "Ficamos apegados a uma regra ou tradição?". Se a resposta for sim, então por quê ficamos? O que aquela regra ou tradição significa para nós? Encontrar a resposta para estas perguntas pode ser bastante revelador. Eu diria que com mais confiança, mais auto-conhecimento e mais segurança podemos fazer julgamentos melhores e tomar melhores decisões.

Referências (inglês)